quarta-feira, 15 de junho de 2011

DECISÃO JUDICIAL QUE PROÍBE O GOVERNO DO AMAPÁ A FAZER DESCONTOS NOS SALÁRIOS DOS PROFESSORES EM GREVE - Retirado na íntegra do blog do Dr. Marconi Pimenta e grifado por mim

JUSTIÇA proíbe desconto de ponto na greve dos professores

SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS EM EDUCAÇÃO NO ESTADO DO AMAPÁ - SINSEPEAP, por advogado regularmente constituído, ingressou em Juízo com a presente “ação de rito ordinário com pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurídica” em desfavor do ESTADO DO AMAPÁ, objetivando, em síntese, o deferimento da medida liminar, inaudita altera pars, para o fim de “determinar ao Réu que se abstenha de efetuar o corte do ponto diário e o desconto na remuneração dos Substituídos, por força dos dias parados em virtude da paralisação da categoria profissional, mantendo os pagamentos mensais, inclusive, o do mês corrente, sem qualquer desconto a tal título”.
Além disso, requer “caso sobrevenha algum desconto na remuneração dos Substituídos, determinar a restituição dos valores a tal título através de folha de pagamento suplementar, tendo em vista que embasado em ato inconstitucional, e sem qualquer decisão judicial declarando a greve ilegal”. Por fim, pugnou pela aplicação de multa em caso de descumprimento dos referidos pleitos.

DECIDO.

O autor narra que em Assembléia realizada em 14 de maio de 2011, os servidores substituídos decidiram e aprovaram 02 (dois) dias de paralisação geral de advertência, com indicativo de greve, notificando o ente público por intermédio do Ofício nº 088/2011-SINSEPEAP, de 16/05/2011. Contudo, alega que diante da inércia do Estado do Amapá, os substituídos aprovaram em Assembleia Geral, realizada em 20 de maio de 2011, o início de greve da categoria para o dia 24 de maio de 2011, tendo informado sobre a referida decisão ao Governador do Estado através do Ofício nº 094/2011-SINSEPEAP.

Aduz na inicial que, “o Réu, em que pese o Sindicato Autor estar jungido aos termos estampados na Lei Geral de Greve, com claro intuito de amedrontar os servidores, noticiou na imprensa local, conforme atestam recortes de jornais em anexo, que haverá corte de ponto e descontos dos dias de greve, mesmo não havendo qualquer decisão judicial nesse sentido”.

Como cediço, com relação aos servidores públicos, a Constituição Federal prevê, no art. 37, VII, que "o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica".

Nada obstante, o entendimento pretoriano, liderado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, evoluiu no sentido de que até que seja editada a lei ordinária à qual a Constituição faz menção, aplicar-se-á a Lei de Greve dos trabalhadores em geral (Lei nº 7.783/1989). Discute-se no presente processo tão somente acerca da possibilidade de corte do ponto e desconto na remuneração dos servidores grevistas durante a paralisação promovida.
Como sabido, o instituto da antecipação de tutela consagrado pelo art. 273, do Código de Processo Civil, apresenta como requisitos para sua concessão a ocorrência cumulativa dos seguintes elementos: prova inequívoca do direito subjetivo alegado, verossimilhança das alegações, fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou caracterização do abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.

Tenho que o perigo de dano de difícil reparação está presente, ante o caráter alimentar da remuneração dos grevistas, tanto com relação aos servidores quanto aos seus familiares. Ademais, a ameaça de desconto dos dias não trabalhados resta devidamente evidenciada, conforme noticiado no site do próprio Governo do Estado do Amapá (), publicado no dia 07/06/2011.

Aliás, consta na referida página de internet, a seguinte informação:


“Diante do impasse, o governo está sendo obrigado a tomar as seguintes providências:
- Suspender o processo de negociação e retirar a sua proposta;
- Só voltar à negociação com o retorno dos professores às salas de aula;
- O professor que voltar à sala de aula até quarta-feira, 8 de junho, receberá integralmente os dias parados. Quem não voltar terá o ponto cortado desde o início das faltas.
- O governo aguardará a eleição da próxima diretoria do Sinsepeap para retornar as negociações.” (grifei).

Não bastasse isso, por intermédio da emenda à inicial, o autor coligiu aos autos o Ofício Circular nº 0221/2011-GAB/SEAD, de 01/06/2011, emitido pela Secretaria de Estado do Educação, informando que a falta dos professores durante o período grevista acarretará nas Sansões previstas em lei.

De fato, conforme informado pelo autor na inicial, quando do julgamento do Mandado de Injunção nº 708/DF, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu parâmetros a serem observados quando da solução de conflitos envolvendo o direito de greve, em especial a questão do desconto dos dias paralisados. O referido julgado restou assim ementado:

"6.4. Considerados os parâmetros acima delineados, a par da competência para o dissídio de greve em si, no qual se discuta a abusividade, ou não, da greve, os referidos tribunais, nos âmbitos de sua jurisdição, serão competentes para decidir acerca do mérito do pagamento, ou não, dos dias de paralisação em consonância com a excepcionalidade de que esse juízo se reveste. Nesse contexto, nos termos do art. 7o da Lei no 7.783/1989, a deflagração da greve, em princípio, corresponde à suspensão do contrato de trabalho. Como regra geral, portanto, os salários dos dias de paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento aos servidores públicos civis, ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho (art. 7º da Lei no 7.783/1989, in fine)."

Percebe-se que o desconto na remuneração dos servidores não pode levar a situações absurdas, como seria permitir o corte do ponto dos Substituídos no presente caso. Nesse norte, o STF consignou que existem outras situações que justificam o afastamento da premissa de Suspensão do contrato de trabalho.

Tenho que a inércia do Poder Público em promover mecanismos adequados para que o direito de greve possa ser exercido, sem que este implique necessariamente na privação material dos servidores e seus dependentes, é fato suficiente para afastar os descontos dos dias não trabalhados.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, em recente precedente oriundo de sua 1ª Seção,
assim decidiu:

“AGRAVO REGIMENTAL EM MEDIDA CAUTELAR PREPARATÓRIA. DISSÍDIO DE GREVE. DESCONTO DOS DIAS PARADOS.

1. Esta Corte de Justiça tem admitido o deferimento de medida cautelar preparatória em se evidenciando a satisfação cumulativa dos requisitos de perigo de lesão grave e de difícil reparação ao direito da parte e de relevância da alegação, que devem ser afirmados na espécie.

2. O direito de greve, também deferido ao servidor público, ainda hoje se ressente de lei que discipline o seu exercício, a determinar que o Excelso Supremo Tribunal Federal suprisse a mora legislativa, estabelecendo regras de competência e do processo de dissídio de greve, adotando solução normativa com vistas à efetiva concreção do preceito constitucional.

3. Não se ajusta ao regramento do Supremo Tribunal Federal o obrigatório corte do pagamento dos servidores em greve, muito ao contrário, estabelecendo a Corte Suprema competir aos Tribunais decidir acerca de tanto.

4. Enquanto não instituído e implementado Fundo para o custeio dos movimentos grevistas, o corte do pagamento significa suprimir o sustento do servidor e da sua família, o que constitui situação excepcional que justifica o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho, prevista no artigo 7º da Lei nº 7.783/89.

5. Agravo regimental improvido.” (AgRg na MC 16774/DF, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/06/2010, DJe 25/06/2010).

Trago à baila trecho do voto do Ministro Relator, que bem delineia a problemática:


“É pacífico o entendimento de que se cuida de verba alimentar o vencimento do servidor, tanto quanto que o direito de greve não pode deixar de ser titularizado também pelos servidores públicos, não havendo como pretender, tal qual faz o Poder Público, que o corte dos vencimentos, data venia, seja obrigatório, sem que se fale em retaliação, punição, represália ou modo direto de reduzir a um nada esse legítimo direito consagrado na Constituição da República.

O corte de vencimentos, na espécie, significa suprimir o sustento do servidor e da sua família,
porque - e o Poder Público não o ignora - inexiste previsão e, portanto, disciplina legal para a formação do Fundo para o custeio do movimento, tanto quanto contribuição específica a ser paga pelo servidor, de modo a lhe assegurar tal direito social, enquanto não instituído e efetivamente implementado o Fundo, (...)

Uma tal situação de ausência de Fundo, por omissão do Estado, não apenas equivale, é mais intensa do que o próprio atraso no pagamento aos servidores públicos civis, constituindo situação excepcional que efetivamente justifica o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho, prevista no artigo 7º da Lei nº 7.783/1989."

De outro giro, tenho que a violação a direitos fundamentais dos trabalhadores pode, conforme a hipótese, ser fundamento suficiente para que não sejam efetuados os descontos.
No presente caso, constata-se pela documentações acostadas aos autos que a parte autora apresenta reivindicações sob três enfoques (fls. 43/45) e, dentre eles, consta “condições de trabalho e saúde dos profissionais da educação”. Assim, nada obstante as reivindicações de caráter eminentemente patrimonial, os servidores buscam igualmente defender sua incolumidade física e sua saúde durante a prestação dos serviços.

Poder-se-ia considerar, in casu, a aplicação da chamada "teoria do mínimo existencial", sob um duplo aspecto. Deve-se assegurar aos servidores públicos uma mínima existência do direito à greve, o que somente será realizável na prática se ao servidor for possibilitado um complexo mínimo que assegure sua subsistência e de sua família.

A problemática do exercício do direito de greve exige bom senso por parte do Poder Judiciário e daqueles diretamente envolvidos, na busca de um equilíbrio, evitando abusos por ambas as partes. Desse modo, o aplicado do direito terá que se valer de princípios constitucionais que guiarão a interpretação e a solução das controvérsias, mormente a razoabilidade e proporcionalidade.

No caso em tela, entendo que os riscos pendem em desfavor dos servidores estaduais. Caso não concedida a medida liminar, o exercício do direito constitucional de greve poderá ser obstado, ao mesmo tempo em que o sustento dos servidores e seus familiares ficará comprometido.

Ademais, deve-se considerar a peculiaridade do serviço público de educação, no qual costumeiramente se realiza a compensação dos dias paralisados. Com efeito, a reposição das aulas perdidas é medida que visa atender o interesse público consubstanciado na atividade escolar, de modo a evitar um maior prejuízo aos alunos.

Desta feita, o desconto na remuneração não se mostra adequado no presente momento processual, considerando especialmente a marcha natural das negociações que envolvem o direito de greve e a previsão legal de composição entre as partes.

Ante o exposto, DEFIRO o pedido de antecipação dos efeitos da tutela para o fim de:
a) Determinar ao Estado do Amapá que se abstenha de efetuar o corte do ponto diário dos substituídos, bem como de efetuar descontos na remuneração dos servidores grevistas, mantendo os pagamentos mensais, inclusive o do corrente mês, até o julgamento final da presente demanda.

b) Caso já tenha havido o fechamento da folha de pagamento do mês em curso, com os descontos dos dias parados em razão da greve da categoria profissional, que o pagamento correspondente a este desconto seja efetuado através de folha de pagamento suplementar. Para o caso de descumprimento da liminar fixo multa diária de R$ 20.000,00, revertida em favor do autor.

Determino que a presente decisão seja cumprida em caráter de urgência. Cumprida a antecipação de tutela, cite-se o requerido para contestar a presente ação, pena de confissão quanto a matéria de fato e revelia.

Intimem-se as partes desta decisão.

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